Thursday, November 11, 2021

A constância da inconstância


 Eu chego para ir embora.
Eu vou embora para chegar.
Não há nada onde permaneça. Nem mesmo na minha cabeça e nem no mesmo corpo. Quem me dera nos mesmos cabelos.
A minha cor de pele vai e vem: desbota e bronzeia. De acordo com minha exposição ao tempo.
Chego menina e parto madura.
Chego mulher e parto em mãe (de vira-latas: melhor raça).
Chego chorando e saio sorrindo (?). Que assim seja, ao menos.
Chego pequena e parto grande (será?).
[No sentido figurado, pois fisicamente, todos que já me viram, sabem que é impossível].
Parti do interior para chegar na capital. Parti da capital para chegar no sertão.
Cheguei inteira no novo porque parti sem carregar destroços.
De onde a gente parte, é onde um dia já chegamos.
Mas para esse mundo, tomara que eu esteja apenas chegando. E me demore para partir.

Thursday, October 15, 2020

O renascimento do ser social

 


Quando eu era bem mais nova, não que eu seja velha hoje, ok?, eu li um livro que me instigou a ter linhas de pensamento muito diferentes das que eu tinha até então; naquele contexto, me abriu as portas da percepção filosófica. Em “O mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder, publicado em 1991, aprendi que “tudo depende do tipo de lente que você utiliza para ver as coisas” e que “para nos tornarmos bons filósofos precisamos unicamente da capacidade de nos surpreendermos”. É como enxergar a vida com a ingenuidade de uma criança, desprovida de ideias pré-concebidas e opiniões formadas em uma caixinha.

 

Pego esses conceitos e aplico para a nossa realidade atual. Antes desse 2020 com a duração de uma década eu pensava o que poderia deixar a vida mais pesada? Falta de emprego, briga familiar, perda de algum ente ou amigo, problema de saúde; várias circunstâncias adversas, mas, nem de longe, passava pela minha cabeça elencar nessa lista um isolamento social.

 

Não me lembro dos votos do casamento ter: na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza e na quarenta. Pois é, essa distopia chegou para nós, caiu no nosso colo como uma granada. O universo pegou essa situação impensável, jogou na gente e disse: “Se vira, dê seus pulos porque é o que temos para hoje. E amanhã. E depois... Dias a perder de vista”.

 

Quando (se) tudo isso passar, será meu renascimento como ser social. Situações corriqueiras serão sentidas com sensações nostálgicas e novas, vistas com um olhar diferente.

 

Será o fim daquele rompante de vazio sentido a cada sexta, sábado e domingo que nasça.

Vai acabar esse peso estranho de uma simples ida ao supermercado. Ir à praia não será um sonho distante. Dançar abraçada com as amigas, como se qualquer música fosse a mais significativa, vai ser tangível. Provar tira-gostos em um bar de calçada num sábado de sol virará rotina. Marcar eventos com todo leque de pessoas queridas vai ser permitido. Ir ao teatro, exposições, cultivar a cultura pungente desse país vai voltar a ser possível. E festivais de músicas? Aquele aglomerado de banda boa, com gente suada e muito compartilhamento de copo? Dentro da agenda também. (melhor evento para se fazer amizades eternas de um dia, com viagens programadas para nunca - até disso sinto falta).

 

E acho que vou usar do oportunismo para poder lançar - relançar - e inventar modas que não seriam aceitas caso não tivéssemos esse hiato de vivência no nosso tempo. Penso que pochete será legal, vou falar que antes todo mundo me chamava de Jojô Caribenha, e, com toda cara de pau, direi: vocês não se lembram não, gente? Talvez usar abadás em eventos solenes. Usar chapéus variados a cada nascer de dia. Sabe, acho que dá margem para nós construirmos novos padrões de convivência.

 

Aguardo ansiosamente esse dia futuro para eu recuperar o presente perdido.

 

 


 


 

Wednesday, June 24, 2020

Os outros vírus da pandemia




1) Comportamento alterado

Como um mantra, repetimos: Quem puder, fique em casa! Concordo. É a melhor maneira de protegermos uns aos outros e sigo assim. Mas você não teve nenhum surtinho de ansiedade, depressão, fadiga, tédio ou qualquer coisa que o valha? Nenhuma hora ‘cê num pensou’: ”Pro quinto dos infernos esse vírus desgramado, incoveniente do caramba! Eu vou saiiiiiiiir! Vou dar a volta no mundo, eu vooooou! Vou ver o mundo giraaaaaaaaaaaaaaaar!”

Porque eu flerto com esse rompante de loucura diariamente. Só não cometo porque envolve pessoas cuja saúde quero zelar.

Não! Eu não estou tirando aprendizados dessa pandemia (a não ser entender e temer um vírus entrando no corpo humano).

Não! Eu não estou achando gostoso ver séries e filmes o dia inteiro. Isso eu sempre tive um tempinho para fazer. Mas não o tempo todo que eu tenho.

2) Da irracionalidade à aceitação compulsória

Na primeira página de um dos meus livros favoritos da vida, estava eternizada uma frase que me envolveu desde o início da leitura: “Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias”. O meu pavor por uma situação assim não tinha nenhuma conexão com a minha realidade. Até esse emblemático e histórico 2020.

Já estamos fechando um semestre e sinto que envelheci 6 anos em 6 meses. E de uma forma que traz mais descompassos mentais do que aquele amadurecimento necessário à vida.

3) A importância do verbo esperançar

Quero que todo mundo mentalize o fim - com segurança - do isolamento. Não sei vocês, mas desejo esse marco ardentemente. E quem quiser me ver, SAI DE CASA! Estarei lá naquele buteco de calçada com cerveja tão barata quanto gelada. Entrarei em toda e qualquer fila que existir - e brasileiro adora uma né? - em vão, só para ficar perto de gente. Participarei de todos eventos a céu aberto, onde estarei bebendo em copos alheios e oferecendo os meus para todos, porque o Corona não será mais uma ameaça. Vou sair às sextas e voltar só domingo depois de passar na Feira Hippie.

Até lá, pessoal!




Wednesday, May 27, 2020

Viver para escrever e vice-versa




“Ame algo mais do que ame a si mesmo”. Disse algum filósofo cujo nome não recordo e não encontrei a citação novamente para creditar.

Sublinho: algo.

E que esse algo dependa só de você para poder virar um verbo de ação e um propósito de vida. Lição número um.

Depois, se quiser conquistar o mundo a partir disso, está mais do que permitido.

Primeiro, de dentro para fora.

Há cerca de um ano não preencho linhas, então, infelizmente, não possuo como álibi a atual quarentena por ter abandonado o algo que dá sentido à minha vã existência.

Brancas as páginas à minha frente. Sem cor também eu vim me desbotando.

Vazios os meus cadernos e meus arquivos de Word. Incompleta e fragmentada também eu vim me (des)construindo.

É a condensação em palavras do que se passa em minha cabeça e das sensações que permeiam o meu coração, combinando com os fatos que fazem do acaso o meu co-autor, que produzo aquilo que entendo como o mais valioso de mim: o texto.

Encerro esse curto ensejo de auto conselhos com um episódio que materializa essas reflexões expostas acima. Num desses incontáveis amigos ocultos dos quais a maioria da raça humana ocidental participa todo fim de ano - e que eu ainda me pergunto o porquê fazemos isso com nós mesmos - há um que eu prezo muito: o da minha turma amada que a paixão por jogar bola uniu. Meu presente naquela ocasião, para além de bonito e útil, foi uma uma toalha de praia - ah! Como eu respiro melhor na praia! - com a admoestação: “Olhe para dentro de você e sorria”.

E não seria esse o conselho universal para que consigamos não só sobreviver, mas viver, neste mundo tão complexo e adverso?

Como um sopro da minha criação, escuto a ordem: apenas continue escrevendo.

Que minhas mãos continuem sendo o instrumento da minha felicidade.



Wednesday, May 29, 2019

O imperativo do sofrimento x ode ao riso


Tem gente que parece que, quando desceu à Terra, veio com uma ordem expressa: - não aceite ser feliz. Rir é um ato obsceno. Se você quer agir corretamente, reclame de tudo à sua volta. Caso você veja que tem alguém se engraçando pela vida, dê logo um jeito de estancar essa sangria pecaminosa chamada alegria.

Rir, atualmente, é até mesmo um ato político. No Brasil, vivemos uma linha tênue entre princípios, um confronto maniqueísta que antes era tácito, mas que as redes sociais tornaram bastante evidentes. Acho que nos anestesiamos no riso – materializado pelos famigerados memes (piadas que viralizam online). E nesse assunto eu chego no que eu chamo de coerência do riso. Há memes de todos os lados, de todos os espectros ideológicos mas, por mais que a piada seja bem elaborada, se se discorda da mentalidade do autor e do que ele representa, é quase um crime contra si mesmo rir.

O riso já foi um passaporte para a morte, pelo menos na ficção – se é que seja exclusivamente ficção - como genialmente escancara o clássico “O nome da rosa”, de Umberto Eco (livro que originou filme homônimo). Na obra, acontecia algo curioso quando algumas pessoas liam certos livros. Sumariamente, os leitores morriam. O motivo era mais curioso do que o fato. Os livros que faziam rir eram os letais. Todos que provocavam uma gargalhada, tinham uma dose de veneno, como punição ao leitor que se deleitava em sorrisos provocados pelas histórias.

Eu não tenho muita clareza para quê desci neste mundo. Mas eu posso ter certeza de que um dos meus imperativos é rir. Achar graça, sabe? Procurar a graça. Ir fundo no assunto para poder, cada dia a mais, ter motivos para rir. Eu rio dos outros, com os outros, pelos outros, mas, principalmente, por mim, e para além dos memes, meu jeito favorito de sorrir é presencial, ouvindo o riso do outro.

Tuesday, October 23, 2018

Epítome


Sempre me apaixonei por palavras que acabara de conhecer cujos significados eram conceitos ou acepções extremamente interessantes. Foi assim, há um tempo, quando procurei o que era “resiliência”. Virou um mantra a ser repetido. Com menos carga sentimental e mais humorística, uso muito as palavras “incólume”, “empírico”, “insólito” e ”inóspito”. Lembro-me de um dia ter respondido a uma colega de trabalho que não havia encontrado o livro que ela tinha me pedido emprestado porque habitava um lugar inóspito do meu guarda-roupas.

Recentemente coloquei no meu rol de xodós a palavra epítome. Sua acepção é a seguinte: o que resume, simboliza, serve como modelo ideal de. Gostei bastante do significado. A partir desse conhecimento, fui viajando por quanta epítome tem espalhada por esse mundão. Mas também pensei que cada nova epítome pode ter uma parcela bastante subjetiva. É uma palavra que depende do indivíduo que a aplica. Por isso, fiz a minha própria lista de epítomes.

Praia (com sol) é meu epítome de passeio; escrever é meu epítome de meio e objetivo de vida; família é meu epítome de suporte; amizade é meu epítome de diversão; futebol é meu epítome de esporte; um bom filme ou série é meu epítome de aconchego; endorfina é meu epítome de euforia; humorizar a vida é meu epítome de escape – e também de inteligência; Woody Allen é meu epítome de bons diálogos; conhecer é meu epítome de evolução; fé (em seu amplo sentido) é meu epítome de conseguir; meu noivo é meu epítome de amor.  

E para você, quais são seus epítomes?


Dentro ainda da magia das palavras, indico o texto “Palavreado” muito interessante de Luís Fernando Veríssimo em que ele brinca também com os vocábulos da língua portuguesa.  A tônica é inversa, o escritor pinçou palavras incomuns e desenvolveu o texto com significados que ele pensava combinar mais com a ortografia e fonética. Ele desenvolve um conto utilizando substantivos comuns para nomear substantivos próprios. Vale a leitura lúdica!


Tuesday, March 6, 2018

O fim: um novo começo



A vida (re) começa o tempo todo. E termina. E começa. E termina.

O exercício do viver é cíclico. Se por um lado, sofremos com o fim, no outro extremo, nos alegramos com o começo. Mas o vice-versa também vale. Podemos nos alegrar – aliviar – com o término, bem como nos entristecer com um início – de algo indesejado. Ou podemos, ainda, começar odiando o término e acabar amando tanto o novo começo que o fim se torna alegre, numa reinterpretação metafísica da própria existência.

As palavras e conceitos Começo e Fim têm seus significados macro e micro. Geral e particular. Genérico e específico. Aplicam-se, em amplo sentido, no nascer e morrer do corpo, mas também são vivenciados durante toda a vida. A cada fase individual de todo ser humano.

Fim e Começo são intrínsecos ao ato de existir. Nas minúcias, miudezas e nuances e nos grandes atos de eloquência da vida. O movimento da Terra em torno de si mesma já crava um começo e um fim diários.

Na condição de perene insatisfação – do querer mais, melhor e diferente – demasiadamente inerente ao ser humano, começa-se a todo momento: uma dieta, um esporte, um curso, um hobby, uma amizade, um relacionamento, uma aproximação, um projeto, uma construção (concreta ou abstrata), um encontro, um livro, um filme, uma série, uma religião, uma filosofia, um estilo, um contrato. A palavra começo agrega em si várias outras como: desafio, novidade, oportunidade.

O fim já vem com uma carga diferente. Mais pesada, sofrida, penosa. Mas não tem que ser assim. É bom se lembrar que só veio um começo porque o fim o viabilizou, na mesma lógica de toda escolha é uma perda. E nada disso tem que ser ruim. Sofremos – em grandes e pequenas proporções – a vida toda porque depois disso, vamos ter o que comemorar, nem que seja o aprendizado com o fim ou começo de algo.

Eu mesma tenho dificuldades com encerramentos – dos mais fugazes aos que causam maior impacto. Dias atrás sofri porque estava apegada a uma série da Netflix e assisti todos os capítulos. Noutra visão, ficaríamos incompletas (eu e a série) se não concluísse os episódios. Também fico chateada no último dia das minhas férias, mas elas só existem porque tenho um trabalho a começar todo novo dia. Durante toda minha infância, sofri quando ia mudar de cidade. Mas fui feliz nos novos lugares onde fui. Fico incomodada quando um campeonato acaba, no último dia de aula de um curso, no último dia de serviço num emprego.

E, em última proporção, entristeço-me profundamente com o fim da vida de alguém muito importante, mas sei também me alegrar pelo alívio do sofrimento e, com minhas crenças, ficar feliz com o novo começo depois da morte.

Também tem os fins ansiados. Geralmente são os que vêm travestidos de conclusão. É ótimo finalizar algo que estava em curso: uma monografia, um trabalho, uma fase, um jogo, uma tarefa, um prato. Mas até mesmo esses términos deixam um vazio, um espaço no tempo.

Uma das minhas artistas nacionais favoritas, Fernanda Torres, dedicou um livro inteirinho ao título e temática dessa curta palavra: Fim. Como lhe é peculiar, ali, esse tema espinhoso, e que às vezes preferimos deixar debaixo do tapete, é tratado com muito bom humor e com viés inusitado. Vale a leitura.

Naturalizemos o fim. Ele vai existir. Vai permear constantemente nossas vidas. Não porque viemos sofrer, mas porque viemos aprender, evoluir e prosseguir com progresso.

E esse texto acabou, para os que chegaram até aqui pode ser um fim penoso (se não gostaram) ou gratificante (se curtiram). Ou ainda, se achou bom e terminou, pode achar ruim porque acabou, neste caso, alegre-se, vai ter muito mais. Tudo é interpretação e reação.